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Conflitos Fundiários Urbanos e Direito à Moradia

Entenda

Informações Gerais

Os conflitos fundiários urbanos estão relacionados a disputas pela propriedade ou pela posse de imóveis localizados nos perímetros das áreas urbanas e não raro encontram-se vinculados a grandes empreendimentos, sejam públicos ou privados, que envolvam grupos de pessoas que acabam por ter o seu direito à moradia violado, acrescido ao caput do art. 6º da Constituição Federal1 como direito social em 2000, por meio da Emenda Constitucional 262. Além disso, é comum haver uma estreita ligação entre esses conflitos, envolvendo moradia, e o direito à cidade, expandindo o problema para questões de infraestrutura urbana e equidade socioespacial, bem como para outras que envolvem matérias relacionadas a identidade étnica e cultural no ambiente das cidades. Como mencionado em outros itens deste Portal, apesar de serem mais recentes em termos históricos do que os conflitos fundiários rurais, os conflitos fundiários urbanos são também muito relevantes, já que, de acordo com dados do IBGE de 20103, 84,35% da população do País vive em situação urbana4.

Em termos históricos, o fim do século XIX no Brasil é referencial no que toca ao tema, pois é a partir de então que se verifica um aumento significativo da população urbana no País, reflexo, àquela época, da abolição da escravatura (e consequente fluxo migratório para as cidades) e da chegada de imigrantes europeus em busca de trabalho na nascente indústria nacional. Os anos seguintes foram marcados pela concentração da população de baixa renda em aglomerados e nas periferias das cidades. Apenas no final dos anos 1930 é elaborada a primeira política no País que se ocupa do tema, porém limitada à questão habitacional, traço este que será verificado ao longo das próximas décadas, até o início dos anos 2000, quando surge o Estatuto da Cidade5, estabelecendo diretrizes gerais de política urbana e regulamentando o capítulo que leva esse nome na Constituição Federal de 1988. Já a iniciativa da década de 1930 limitou-se à construção de casas para associados dos Institutos de Aposentadoria e Pensão e à remoção, com uso de força policial, de moradores das favelas, as quais se objetivava erradicar.

A criação da Fundação da Casa Popular — FCP — em 1946, como resultado das pressões da atuação do Partido Comunista e das demandas de trabalhadores, foi um avanço. Porém, a FCP acumulou diversas atribuições, pecou por uma atuação populista e perdeu força, inclusive pela escassez de recursos, sendo extinta em 1964, após o golpe militar, tendo construído apenas cerca de 17 mil moradias. O governo Castelo Branco, então iniciado, implantou o Plano Nacional de Habitação, focado em planejamento urbano e controle do crescimento de favelas por meio de planos diretores. Nascem aí, dentro da política do Sistema Nacional de Habitação — SNH —, o Banco Nacional de Habitação — BNH —, o Sistema Financeiro de Habitação — SFH — e as Companhias de Habitação Popular — COHABs —, com o objetivo de fomentar e viabilizar a aquisição de casa própria para as camadas da população com menor poder aquisitivo. No entanto, ao longo dos anos que se seguiram, até 1980, o que se verificou foi uma destinação crescente dessa política de habitação, veiculada por meio dessas instituições, para a classe média, restando, para a população de baixa renda, ocupações clandestinas e a permanência nas periferias e favelas dos centros urbanos.

Em 1986, a Caixa Econômica Federal assume as funções do BNH, que é extinto tendo financiado um número relevante de habitações (em torno de 4 milhões), porém majoritariamente para a classe média. Em 1987, é instituído o Programa Nacional de Mutirões Habitacionais, focado no financiamento de habitações para famílias com renda inferior a três salários mínimos, o qual não atingiu suas metas devido a problemas de gestão e aos altos índices de inflação da época. Em 1988, a nova Constituição incorporou não apenas a descentralização de atribuições entre os entes federados no que toca às políticas de planejamento urbano, mas também a concepção da questão urbana de forma integrada.

Nos anos que se seguiram, até 2002, foram lançados alguns programas (Plano de Ação Imediata para a Habitação; Programa Habitar Brasil; Programa Morar Município), os quais obtiveram pouco êxito no cumprimento de suas metas. Destaque, nesse período, há de ser dado à ênfase na regularização fundiária e à tentativa de se ampliar a participação popular e a visão sobre a questão habitacional, apesar de poucos efeitos dessas perspectivas terem sido observados na prática. Já a aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257), em 2001, significou a concretização jurídica de instrumentos para o planejamento urbano mediante repartição de competências entre os entes federados, incorporando a função social da propriedade, a participação popular na elaboração de políticas públicas para a área e o conceito do acesso à cidade como universal.

Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades — MCidades —, com o objetivo de centralizar as políticas urbana e setoriais de habitação, transporte e trânsito e saneamento, a partir da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, porém respeitando o previsto na Constituição de 1988 no que diz respeito à descentralização do planejamento urbano e à distribuição de competências entre os entes federativos, em conformidade com o Estatuto da Cidade. Assim, o MCidades define as diretrizes para o desenvolvimento urbano e desenvolve mecanismos que viabilizem sua execução, por meio de suas quatro Secretarias Nacionais: de Habitação, de Saneamento, de Programas Urbanos e de Transporte e Mobilidade Urbana.

No que toca à política habitacional, o Programa Minha Casa Minha Vida — PMCMV —, lançado em abril de 2009 no âmbito do MCidades, constitui hoje o carro-chefe do governo federal desde a criação dessa pasta. O PMCMV objetiva “promover a produção ou aquisição de novas unidades habitacionais, ou a requalificação de imóveis urbanos, para famílias com renda mensal de até R$5.000,00”6, por meio de financiamentos e fundos específicos para esse fim. O PMCMV também inclui o Programa Nacional de Habitação Rural, para “subsidiar a produção ou reforma de imóveis residenciais localizados em área rural do território nacional, cujo público alvo é representado pelos agricultores familiares, trabalhadores rurais e comunidades tradicionais: quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, ribeirinhos e indígenas”, “admitindo-se a participação de famílias com renda familiar bruta anual de até R$60.000,00 (sessenta mil reais), comprovadas por meio da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP)”7.

Há que se ressaltar, como já dito anteriormente, que os movimentos sociais por moradia e os conflitos fundiários urbanos não são restritos a demandas relacionadas ao déficit habitacional. Eles são pautados por reivindicações que abrangem desde o direito do acesso à habitação até condições de vida digna no espaço urbano, aí incluída a infraestrutura básica (saneamento, asfaltamento, rede elétrica, transporte), abarcando também as situações de mudança ou remoção de famílias resultantes de grandes empreendimentos, públicos ou privados. Segundo matéria da revista “Carta Capital”, dados do MCidades apontam que os conflitos fundiários urbanos cresceram 200% de 2009 até o início de 20128, mas não há certeza se esse aumento deve-se de fato a um maior número de conflitos ou a um processo de organização e conscientização daqueles que enfrentam situações de despejo ou remoção. O MCidades, por sua vez, vem apostando na prevenção e mediação desses conflitos desde 2006, quando foi criada uma Comissão Interministerial sobre o tema. Em 2009, foram realizados seminários regionais com o objetivo de debater a Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos e, nesse mesmo ano, foi aprovada a Resolução 87, do Conselho Nacional das Cidades — ConCidades9 —, que recomenda a instituição dessa política e detalha seus termos e diretrizes.

No que toca à estrutura atual da política pública relacionada ao tema, tem-se, como já dito anteriormente, uma descentralização do planejamento urbano e a distribuição de competências entre os entes federativos desde a Constituição de 1988. Assim, à União compete a definição das diretrizes para o desenvolvimento urbano (inciso XX do art. 21) e, ao Município, a execução dessa política bem como a elaboração do plano diretor10, que é instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana e obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes11 (art. 182); é competência comum entre todos os entes (ou seja, atuam de forma cooperativa e complementar) a promoção de programas de construção de moradia e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (inciso IX do art. 23).

Dessa forma, fica definida a competência estadual e, em Minas Gerais, ela é implementada essencialmente no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Regional, Política Urbana e Gestão Metropolitana — Sedru —, cuja missão é “promover a política urbana e o desenvolvimento regional, visando à qualidade de vida e a sustentabilidade das cidades mineiras”12. Atuando, em certos casos, de forma compartilhada com a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão — Seplag —, a Sedru conta com duas subsecretarias: a de Desenvolvimento Regional e a de Política Urbana.

Tendo em vista, no entanto, os diversos conflitos relativos ao tema, é relevante mencionar que, em 2015, o Decreto com Numeração Especial 20313 instituiu em Minas Gerais a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais e outros grupos envolvidos em conflitos socioambientais e fundiários, com o objetivo de “promover debates e negociações com o intuito de prevenir, mediar e solucionar, de forma justa e pacífica, os conflitos em matéria socioambiental e fundiária, mediante a participação dos setores da sociedade civil e do Governo diretamente envolvidos” (art. 1º). Essa Mesa de Diálogo conta, em sua composição (detalhada no art. 2º), com representantes: do Poder Executivo estadual; da sociedade civil organizada (que atuam em conflitos socioambientais e fundiários urbanos e rurais e outras entidades indicadas por seus respectivos integrantes); das ocupações, entidades e outras partes interessadas (inclusive proprietários dos terrenos em situação de conflito, indicados nos termos do regimento interno da Mesa de Diálogo, que por sua experiência pessoal ou institucional possam contribuir para o desenvolvimento dos trabalhos); e convidados de diversas instituições (entre elas, a ALMG).

 


1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República.Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 fev 2018.
2 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000. Altera a redação do art. 6o da Constituição Federal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc26.htm>. Acesso em: 23 mar 2016.
3 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. (Brasília – DF). Censo 2010. Disponível em: <http://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 23 mar. 2016.
4 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. (Brasília – DF). População do Brasil é de 190.732.694 pessoas. In: ____. Censo 2010. Disponível em: <http://www.censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=8>. Acesso em: 23 mar. 2016.
5 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm>. Acesso em: 23 mar. 2016.
6 BRASIL. Ministério das Cidades. Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 23 mar. 2016.
7 BRASIL. Ministério das Cidades. Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV. Brasília, 2013. Disponível em: < http://www.cidades.gov.br/minha-casa-minha-vida/67-snh-secretaria-nacional/programas-e-acoes/1299-programa-nacional-de-habitacao-rural-pnhr >. Acesso em: 23 mar. 2016.
8 ROMAN, Clara Roman. Denúncias de conflitos fundiários cresceram 200% em três anos no Brasil: desde 2003, 192 casos chegaram ao Ministério das Cidades. Os casos mais violentos ocorrem em Manaus e São Paulo. Carta Capital, 14 mar. 2012. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/denuncias-de-conflitos-fundiarios-cresceram-200-em-tres-anos/>. Acesso em: 23 mar. 2016.
9 Órgão colegiado permanente, integrante do MCidades, de caráter consultivo e com atribuições deliberativa e fiscalizadora, formado por representantes do poder público e da sociedade civil (movimentos populares, ONGs, empresários, entidades profissionais e acadêmicas e de pesquisa, trabalhadores).
10 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm> . Acesso em: 28 out. 2013.
11 O Estatuto das Cidades, de 2001, determina que os Municípios que integram áreas de especial interesse turístico e aqueles inseridos em área de influência de empreendimentos ou atividades que produzam significativo impacto ambiental também são obrigados a elaborar um plano diretor.
12 MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Política Urbana e Gestão Metropolitana. Missão e valores. In: ___. Urbano: portal. Disponível em: < http://www.urbano.mg.gov.br/index.php/servidor/institucional/missao-e-valores >. Acesso em: 23 mar. 2016.
13 MINAS GERAIS. Decreto com numeração especial 203, de 1º de julho de 2015. Institui a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais e outros grupos envolvidos em conflitos socioambientais e fundiários. Disponível em: < http://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=DNE&num=203&comp=&ano=2015 >. Acesso em 18 mar. 2016.

Atuação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Fiscalização
Requerimento 7632/2024

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