Entenda
Informações Gerais
A política pública de atenção à saúde mental consiste no conjunto de diretrizes e ações adotadas pelo País com o objetivo de organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em saúde mental. Abrange a atenção a pessoas com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, incluindo aquelas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas (álcool, cocaína, crack e outras drogas).
A Política Nacional de Saúde Mental está articulada de acordo com os princípios da reforma psiquiátrica ocorrida no final da década de 1970, que aboliu o modelo hospitalocêntrico/manicomial de atendimento das pessoas com transtornos mentais. De maneira bem simplificada, pode-se dizer que modelo hospitalocêntrico de atenção em saúde é aquele centrado na atenção hospitalar e curativa, que presta assistência à saúde quando a doença ou agravo já ocorreu, em oposição à atenção preventiva, que busca evitar o surgimento de doenças e agravos à saúde. Em saúde mental, o modelo hospitalocêntrico se caracteriza pelos tratamentos fundamentados na internação dos pacientes que, em geral, ocorre em instituições asilares ou manicomiais, que são fechadas e não permitem sua livre circulação no mundo externo.
Assim, a atenção em saúde mental baseia-se atualmente em modelo de assistência aberto e de base comunitária, isto é, garante a livre circulação dos pacientes com transtornos mentais, permitindo-lhes o acesso a serviços, comunidade e cidade e oferecendo-lhes cuidados de acordo com os recursos disponíveis na comunidade, de forma a propiciar-lhes autonomia.
A atenção em saúde mental é prestada no âmbito do Sistema Único de Saúde — SUS — por meio da Rede de Atenção Psicossocial. Essa rede é composta por serviços que englobam componentes da atenção básica, da atenção psicossocial, da atenção de urgência e emergência, da atenção residencial de caráter transitório, da atenção hospitalar, além de estratégias de desinstitucionalização e de reabilitação psicossocial (Quadro 1).
Quadro 1: Atenção em saúde mental
Componentes |
Pontos de Atenção |
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Unidades Básicas de Saúde |
Núcleo de Apoio à Saúde da Família — Nasf |
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Consultório na Rua |
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Centros de Convivência e Cultura |
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Centros de Atenção Psicossocial — Caps |
Equipe Multiprofissional de Atenção Especializada em Saúde Mental / Unidades Ambulatoriais Especializadas |
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Atenção de Urgência e Emergência |
Samu 192 |
Sala de estabilização |
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UPA 24h e portas hospitalares de atenção à urgência/pronto-socorro |
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Portas hospitalares de atenção à urgência/pronto-socorro em Hospital Geral |
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Atenção Residencial de Caráter Transitório |
Unidade de Acolhimento |
Serviço de Atenção em Regime Residencial |
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Unidade de Referência Especializada em Hospital Geral |
Hospital Psiquiátrico Especializado |
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Hospital Dia |
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Estratégias de Desinstitucionalização |
Serviços Residenciais Terapêuticos |
Estratégias de Reabilitação Psicossocial |
Iniciativas de trabalho e geração de renda, empreendimentos solidários e cooperativas sociais. |
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 3, de 28/9/2017. Consolida as normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde.
A assistência prestada pela atenção básica inclui as unidades básicas de saúde, as equipes de atenção básica para populações específicas, os centros de convivência e cultura e os Núcleos de Apoio à Saúde da Família — Nasf. Na atenção básica, são desenvolvidas ações de promoção, prevenção e tratamento dos principais problemas de saúde decorrentes do uso de drogas, além de atividades para reinserção social dos usuários.
A equipe de Consultório na Rua é constituída por profissionais que atuam de forma itinerante, dispensando cuidados de saúde para a população em situação de rua, de acordo com suas necessidades específicas. É responsabilidade dessa equipe prestar cuidados voltados à saúde mental de pessoas em situação de rua em geral, pessoas com transtornos mentais e usuários de crack, álcool e outras drogas. As ações desenvolvidas são articuladas com as Unidades Básicas de Saúde, as equipes dos Caps, os serviços de urgência e emergência e os outros pontos de atenção. As equipes podem ser compostas por profissionais de saúde de diversas formações. Para implantação das equipes de Consultório na Rua, o parâmetro adotado é de uma equipe para cada 80 a 1.000 moradores de rua.
O Centro de Convivência e Cultura é uma unidade pública, articulada às Redes de Atenção à Saúde, em especial à Rede de Atenção Psicossocial, onde são oferecidos à população espaços de sociabilidade, produção e intervenção na cultura e na cidade.
O atendimento psicossocial estratégico é prestado pelos Centros de Atenção Psicossocial — Caps —, que são de três tipos: Caps I, Caps II, Caps III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional. Esses centros são responsáveis pela organização da demanda da rede de saúde mental, pela regulação da porta de entrada da rede assistencial, bem como pela supervisão e capacitação das equipes de atenção básica no âmbito de seu território. Oferecem atendimento ambulatorial em três modalidades:
- intensivo, destinado aos pacientes que necessitam de acompanhamento contínuo;
- semi-intensivo, para pacientes que precisam de acompanhamento frequente;
- não intensivo, dirigido aos pacientes que não necessitam de atendimento frequente.
Destacam-se, ainda, os serviços direcionados para o atendimento de crianças e adolescentes (Caps-i) e as estratégias de atenção para transtornos associados ao consumo de crack, álcool e outras drogas (Caps-ad).
Atualmente, há três modalidades de Caps-ad1, também definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional: Caps-ad; Caps-ad III; e Caps-ad IV. Este último, de maior porte e complexidade, atende pessoas com quadros graves e intenso sofrimento decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Sua implantação deve ser planejada para municípios com mais de 500 mil habitantes e capitais de Estado com o objetivo de atender continuamente pessoas de todas as faixas etárias, com funcionamento 24 horas, incluindo feriados e finais de semana; e ofertar assistência a urgências e emergências, contando com leitos de observação.
A atenção de urgência e emergência tem como pontos de atenção o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência — Samu —, salas de estabilização, unidades de pronto atendimento 24 horas, as portas hospitalares de atenção à urgência/pronto-socorro, Unidades Básicas de Saúde, entre outros. Em seu âmbito de atuação, é responsável pelo acolhimento, pela classificação de risco e pelo cuidado nas situações de urgência e emergência das pessoas com transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
Na atenção hospitalar, há leitos de saúde mental em hospitais gerais que oferecem tratamento hospitalar para casos graves relacionados aos transtornos mentais e ao uso de crack, álcool e outras drogas, em especial casos de abstinências e intoxicações severas. Há ainda o Serviço Hospitalar de Referência para atenção às pessoas com transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, que oferece retaguarda clínica por meio de internações de curta duração, com equipe multiprofissional. Esse serviço acolhe os pacientes em articulação com os Caps e outros serviços da Rede de Atenção Psicossocial para construção do Projeto Terapêutico Singular.
A Atenção Residencial de Caráter Transitório é composta pelas Unidades de Acolhimento e pelos Serviços de Atenção em Regime Residencial.
As Unidades de Acolhimento têm por finalidade garantir o acolhimento voluntário e ofertar cuidados contínuos para pessoas em situação de vulnerabilidade social e familiar que demandem acompanhamento terapêutico e proteção. As unidades têm caráter residencial transitório, com funcionamento ininterrupto, e os pacientes podem permanecer nelas por até seis meses. Essas unidades devem garantir moradia, serviços educacionais e convivência familiar e social.
Os Serviços de Atenção em Regime Residencial, entre os quais se incluem as comunidades terapêuticas, se destinam a oferecer cuidados contínuos de saúde, por até 9 meses, para adultos com necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas. Esses serviços devem funcionar de forma articulada com a atenção básica e com o Caps, que é responsável pela indicação do acolhimento, pelo acompanhamento especializado durante este período, pelo planejamento da saída e pela continuação do cuidado, bem como pela participação de forma ativa da articulação intersetorial para promover a reinserção do usuário na comunidade. Em 2015, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas estendeu o prazo de acolhimento dos usuários de álcool e outras drogas pelas comunidades terapêuticas de 9 para 12 meses, em um período de 24 meses2.
Em dezembro de 2014, o Ministério da Saúde criou o Programa de Desinstitucionalização para integrar as Estratégias de Desinstitucionalização da Rede de Atenção Psicossocial — Raps3 —, no âmbito do SUS. O programa é constituído por iniciativas que visam garantir às pessoas com transtorno mental, ou ainda com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em situação de internação de longa permanência, o cuidado integral, para sua progressiva inclusão social.
Entre essas estratégias de desinstitucionalização, destacam-se os Serviços Residenciais Terapêuticos, que são moradias inseridas na comunidade destinadas a acolher pessoas egressas de internação de longa permanência, de hospitais psiquiátricos, hospitais de custódia, entre outras instituições. Há também o Programa de Volta para Casa, que busca contribuir efetivamente para o processo de inserção social das pessoas com longa história de internação em hospitais psiquiátricos, por meio do pagamento mensal de um auxílio reabilitação.
O componente reabilitação psicossocial da rede é composto por iniciativas de geração de trabalho e renda, empreendimentos solidários e cooperativas sociais.
1 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 3, de 28/9/2017. Consolida as normas sobre as redes do Sistema Único de Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0003_03_10_2017.html>. Acesso em: 10 jun. 2018.
2 BRASIL. Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas. Resolução nº 1, de 19 de agosto de 2015. Regulamenta, no âmbito do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad, as entidades que realizam o acolhimento de pessoas, em caráter voluntário, com problemas associados ao uso nocivo ou dependência de substância psicoativa, caracterizadas como comunidades terapêuticas. Disponível em: <http://www.lex.com.br/legis_27017500_RESOLUCAO_N_1_DE_19_DE_AGOSTO_DE_2015.aspx>. Acesso em: 03 jul. 2018.
3 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 5, de 28/9/2017. Consolida as normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0005_03_10_2017.html>. Acesso em: 3 jul. 2018.
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Rede complementar de suporte social para usuários de álcool e outras drogas
A atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas, instituída pelo Ministério da Saúde em 20041, inclui, entre os seus componentes, a rede complementar de suporte social. No entanto, essa rede deve estar articulada à rede de serviços prestados pelo SUS, como instância complementar, já que não faz parte do SUS. As instituições que constituem a rede complementar de suporte social são os grupos de mútua ajuda, entidades congregadoras de usuários, comunidades terapêuticas, associações comunitárias e outras entidades da sociedade civil organizada.
As comunidades terapêuticas são exemplos de entidades que compõem a rede complementar de suporte social e exercem papel importante no tratamento, recuperação e reinserção social dos dependentes químicos. Devido ao aumento do consumo de drogas, o trabalho desenvolvido por essas entidades é uma alternativa, oriunda do terceiro setor, para quem necessita de tratamento devido ao uso e abuso de substância psicoativa.
Em agosto de 2015, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas regulamentou, no âmbito do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas — Sisnad —, a atuação das comunidades terapêuticas e instituiu, entre outros pontos, o Plano de Atendimento Singular — PAS —, que reúne todas as informações a respeito do usuário acolhido, inclusive aquelas exigidas pelos órgãos de controle e fiscalização.
1 BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria de Consolidação nº 5, de 28/9/2017. Consolida as normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde.. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prc0005_03_10_2017.html>. Acesso em: 3 jul. 2018.
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Estratégia de Redução de Danos
O Ministério da Saúde considera o uso indevido das drogas uma questão de saúde pública que justifica a criação de políticas públicas para sua prevenção e combate. Entende também que a atenção a ser dispensada aos usuários de drogas e dependentes químicos deve considerar as singularidades das pessoas e as diferentes possibilidades de acolhimento e não deve restringir-se ao objetivo de fazer com que se abstenham da droga.
Por essa razão, a Política de Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas inclui a estratégia de redução de danos. Essa estratégia visa reduzir as consequências adversas do consumo de drogas lícitas e ilícitas, sem a preconização imediata da abstinência, já que existem casos em que a pessoa não quer ou não pode parar de usá-las. Nessa abordagem, procura-se definir, com o usuário, estratégias para a defesa de sua vida, com o objetivo de aumentar o seu grau de liberdade e corresponsabilidade. A estratégia da redução de danos amplia o acesso do usuário ao sistema, por meio da construção de redes de suporte social e do estabelecimento de vínculos com os profissionais.