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Conflitos Fundiários Rurais e Direito à Terra

Entenda

Informações Gerais

Os conflitos fundiários rurais podem ser definidos como as disputas relacionadas à posse e à propriedade de terra, podendo envolver não só entes privados mas também públicos. Dentre os argumentos dessas disputas, está o sentido da função social da terra, considerada princípio basilar do direito agrário e definida no art. 186 da Constituição Federal1 como a satisfação simultânea de certos requisitos de aproveitamento e utilização de uma propriedade rural, entre eles racionalidade, produtividade, preservação ambiental e respeito às relações de trabalho.

Os conflitos fundiários rurais podem ser verificados no Brasil desde o século XVI, quando do início da colonização europeia, tendo, porém, assumido características diversas em consonância com as circunstâncias históricas em que ocorreram, apesar de sempre terem sido permeados, em maior ou menor grau, pela questão da concentração de terras no País. A Guerra de Canudos, em fins do século XIX na Bahia, e a Guerra de Contestado, no início do século XX no Paraná e em Santa Catarina, constituem exemplos que bem ilustram tanto o impacto das circunstâncias históricas quanto a concentração de terras como questão central nos conflitos fundiários rurais.

Apesar de ter havido movimentos de peso ao longo da história desses conflitos no Brasil, como os citados acima, é em especial a partir da Primeira Guerra Mundial e da crise de 1929 que eles se agravam, pois, mesmo tendo havido uma redução na concentração da posse de terras em comparação com os séculos anteriores, verificou-se um aumento da valorização agrária no território nacional, resultante de mudanças no contexto internacional e de maiores investimentos no campo.

Além disso, na segunda metade dos anos 1900, as discussões sobre reforma agrária ganham maior corpo no cenário nacional com a refundação das Ligas Camponesas em 1954, com o nascimento da Comissão Pastoral da Terra — CPT — em 1975 e com o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra — MST — na década de 1980. Como mencionado em outros itens deste site, é importante frisar que há várias questões ligadas aos conflitos fundiários rurais que dizem respeito aos direitos humanos para além do direito à terra em si, a exemplo do direito à alimentação adequada, considerado fundamental e assegurado, entre outros, por meio da reforma agrária como forma de política pública distributiva do principal insumo para sua produção — a terra.

No caso das Ligas Camponesas, o movimento surgiu originalmente em 1945, vinculado ao Partido Comunista Brasileiro — PCB —, mas, apesar de em curto período de tempo ter se espalhado por todo o País, em 1948, foi proscrito com o PCB. Em 1955, as Ligas ressurgem no Nordeste, a partir de Pernambuco, tendo chegado a congregar cerca de 80 mil pessoas em diversos Estados do País no início de 1964. No entanto, o movimento foi banido com o golpe militar nesse mesmo ano e, apesar de ainda ter existido na clandestinidade depois disso, foi totalmente desarticulado após algum tempo.

A atuação das Ligas Camponesas extrapolou a sua finalidade original de dar assistência jurídica, médica e de autodefesa aos trabalhadores rurais e, em seu ressurgimento, foi marcada essencialmente pela defesa dos direitos de um amplo grupo que trabalhava no campo, aí incluídos arrendatários, meeiros e pequenos proprietários, cujas reivindicações essenciais relacionam-se à posse e ao usufruto da terra, em face de latifúndios improdutivos.

A Comissão Pastoral da Terra — CPT — tem sido instituição de relevância no suporte à mobilização dos trabalhadores rurais e na defesa de seus direitos desde a sua fundação, em 1975. Órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB —, surgiu no contexto do regime militar no País visando proteger os trabalhadores e lideranças do campo dos abusos contra eles cometidos pela exploração econômica inescrupulosa. Seu foco inicial foi a Amazônia, mas em pouco tempo a CPT passou a atuar em todo o País, adquirindo caráter ecumênico e sempre buscando ser porta-voz do povo do campo e espelhar as suas demandas locais, a exemplo do que ocorre hoje com os movimentos dos atingidos por barragens.

A CPT continua a ser forte referência na articulação e organização daqueles que vivem e trabalham no meio rural e no respeito aos direitos dessas pessoas, inclusive os trabalhistas, além de oferecer apoio fundamental à agricultura familiar e à preservação ambiental. As publicações da CPT são outra iniciativa de peso e têm contribuído de forma singular para dar uma noção precisa e atual sobre a situação dos conflitos fundiários no País. Destaque deve ser dado a “Conflitos no Campo Brasil2”, atualizado anualmente e provavelmente a principal fonte de dados sobre o tema.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra — MST — tem sua origem ligada ao 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, realizado no Paraná em 1984, que reuniu trabalhadores rurais envolvidos em ocupações de terra em 12 Estados brasileiros, além de representantes da Central Única dos Trabalhadores — CUT —, da Associação Brasileira de Reforma Agrária — Abra —, da Pastoral Operária de São Paulo e do Conselho Indigenista Missionário — Cimi. A partir de então, o MST já realizou vários congressos nacionais e diversas marchas, inclusive de alcance nacional. Seu lema tem sido a democratização da terra, a ser alcançada com a reforma agrária, com um novo modelo agrícola e com mudanças na estrutura social do País, de modo a se atingir maior justiça social. O movimento sempre defendeu a organização dos trabalhadores rurais, a luta social e a ocupação de terras como meios legítimos e fundamentais para atingir seus objetivos. Hoje abraça várias bandeiras específicas relacionadas aos direitos humanos, tais como: acesso à saúde e à cultura, combate à violência sexista, diversidade étnica e direito à memória.

No que toca à reforma agrária — tema central quando se trata de conflitos fundiários rurais e direito à terra —, a primeira lei do Brasil é de 1964. Trata-se do Estatuto da Terra (Lei Federal 4.504, de 19643), o qual não chegou a ser implementado na íntegra, à exceção de poucas desapropriações até o início da década de 1980, mas serviu ao propósito de exercer certo controle sobre as lutas sociais, de enfraquecer os conflitos relacionados à terra e de colonizar, em particular, certas áreas da Amazônia. No bojo do Estatuto, foi instituído um Plano Nacional de Reforma Agrária — PNRA — (Decreto Federal 59.456, de 19664), jamais implementado, e foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária — Incra — (Decreto-Lei Federal 1.110, de 19705), que incorporou as atribuições do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária — Ibra — e do Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural — Inda —, implantados pela mesma lei que havia instituído o Estatuto. O Incra tinha como missão prioritária “realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União”6.

Em 1985, foi aprovado um novo PNRA I, (Decreto Federal 91.766, de 19857), o qual objetivava assentar 1,4 milhão de famílias até o fim do mandato de José Sarney. Porém, assentou menos de 90 mil famílias nesse período, ou seja, menos de 6% da meta prevista. Ainda na década de 80, em 1988, tem-se a promulgação de uma nova Constituição no Brasil, a qual trouxe, no que toca à reforma agrária, certos retrocessos em relação ao Estatuto da Terra, mas também a importante conquista de incorporar a função social da terra e a possibilidade de desapropriação quando essa função não estiver sendo cumprida (arts. 184 a 186). A função social da terra, conforme já mencionado, é considerada princípio basilar do direito agrário e está definida no art. 186 da Constituição Federal1 como a satisfação simultânea de certos requisitos de aproveitamento e utilização de uma propriedade rural, entre eles racionalidade, produtividade, preservação ambiental e respeito às relações de trabalho.

O que se verificou, no entanto, no tocante à efetividade do projeto de reforma agrária no País durante os primeiros anos de vigência da nova Carta, foi um retrocesso, na medida em que houve forte repressão aos movimentos sociais de luta pela terra, culminando com a morte de 19 militantes sem terra, pela Polícia Militar, em Eldorado dos Carajás, Pará, em abril de 1996. Esse evento teve grande repercussão, inclusive em âmbito internacional e, na semana seguinte, o governo federal criou o Ministério Extraordinário de Política Fundiária, vinculado diretamente à Presidência da República. Esse ministério foi transformado no de Política Fundiária e Agricultura Familiar e, posteriormente, em 2000, instituído como o Ministério do Desenvolvimento Agrário8.

Em fins de 2003, foi apresentado o II PNRA, contendo 11 metas a serem implementadas até 2006, entre as quais: 400 mil novos assentamentos; regularização de 500 mil posses; recuperação da capacidade produtiva e da viabilidade econômica dos assentamentos então existentes; reconhecimento, demarcação e titulação de áreas de comunidades quilombolas; reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas. Considerado ambicioso por muitos, o II PNRA não conseguiu atingir todas as suas metas e não teve continuidade.

Passo importante na estruturação das políticas públicas relativas aos conflitos fundiários rurais foi a instituição, em julho de 2006 (Portaria Interministerial nº 1.0539), da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo — CNVC. Seu objetivo é sugerir ações de prevenção, combate e redução da violência contra a população do campo, em suas diversas formas e manifestações.




1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 jan. 2017.

2 CONFLITOS NO CAMPO BRASIL. Goiânia: Comissão Pastoral da Terra (CPT) — Secretaria Nacional, 1985. Anual. Disponível em: <http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/conflitos-no-campo-brasil>. Acesso em: 18 mar. 2016.

3 BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Dispõe sobre o Estatuto da Terra, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4504.htm>. Acesso em: 18 mar. 2016.

4 BRASIL. Decreto nº 59.456, de 4 de novembro de 1966. Aprova os planos Nacional e Regionais de Reforma agrária e dá outras providências. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-59456-4-novembro-1966-399970-publicacaooriginal-38471-pe.html>. Acesso em: 18 mar. 2016.

5 BRASIL. Decreto-Lei nº 1.110, de 9 de julho de 1970. Cria o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), extingue o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário e o Grupo Executivo da Reforma Agrária e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1110.htm>. Acesso em: 18 mar. 2016.

6 INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA). Portal. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/institucionall/historico-do-incra>. Acesso em: 18 mar. 2016.

7 BRASIL. Decreto nº 91.766, de 10 de outubro de 1985. Aprova o Plano Nacional de Reforma Agrária — PNRA, e dá outras providências. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-91766-10-outubro-1985-441738-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 18 mar. 2016.

8 BRASIL. Casa Civil. Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário. Portal. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/pagina/hist%C3%B3rico>. Acesso em: 18 mar. 2016.

9 BRASIL. Ministério da Justiça. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Ministério do Meio Ambiente. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Portaria Interministerial nº 1.053, de 14 de julho de 2006. (Cria a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo — CNVC.) Disponível em:<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/reforma-agraria/PI_1053.06>. Acesso em: 18 mar. 2016.

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